4.12.13

A grande descoberta

Enquanto o Comandante Mitz ainda juntava sua tripulação, um acontecimento sem precedentes na história ganhava forma em outro canto da galáxia. Até aquele momento, não haviam provas concretas da existência de outros seres inteligentes e sencientes a não ser os humanos. Pelo menos, era assim que a maioria dos cientistas acreditava.

Mas o Doutor Katmadhatu pensava diferente. Ele tinha coletado uma quantidade considerável de evidências ao longo dos anos. E havia publicado inúmeros artigos científicos sobre o assunto. Entretanto, conforme seus pares acadêmicos refutavam suas descobertas uma a uma, o pobre Doutor passou a ser desacreditado pelas comunidades científicas em quase todos os sistemas centrais do Império Galático e, há muito tempo, nenhum periódico minimamente importante aceitava publicar outro artigo seu. Foi por esse e outros desgostos que ele resolveu declarar sua aposentadoria antecipada e se retirar para um dos sistemas estelares periféricos. Porém, ele continuou suas pesquisas em segredo. Quem sabe, um dia todos percebam afinal que ele tinha razão.

E pelo que parece aquele dia chegou. O que Katmadhatu tinha descoberto dessa vez não eram apenas pequenas marcas desgastadas pelo tempo ou ruínas que poderiam passar despercebidas como formações rochosas naturais. Era algo grande. E aparentemente bem preservado, pois estava enterrado em um planetoide sem atmosfera. Ironicamente, encontrava-se à apenas alguns parsecs de distância da nova residência do Doutor. Definitivamente, não era uma espaçonave interestelar. Contudo, tinha um casco capaz de suportar uma reentrada atmosférica se fosse necessário. O que quer que fosse, não podia perder tempo. Precisava agir antes que alguém o visse; levá-lo ao seu laboratório para fazer testes, dentre eles o de radiocarbono. Então ordenou a seus ajudantes robôs para que removessem o objeto do local, como todo o cuidado para não danificá-lo, e o colocassem dentro de sua nave. Voltando para casa, ele já imaginava as notícias: "A maior descoberta de todos os tempos!"

13.11.13

A Hora da Galáxia

Marcar encontros ou reuniões entre pessoas de planetas diferentes é complicado. Cada planeta tem seu próprio ritmo de duração diurno e noturno. Há uns em que os dias e as noites duram mais ou menos o mesmo do que o berço da humanidade. Porém isso é muito raro. Em geral, o tempo em que um planeta povoado demora para fazer uma volta completa em torno do seu próprio eixo pode variar desde poucas horas até a vários meses. O que dificilmente muda é a nossa cronobiologia. Esta comprova que o relógio biológico humano completa seu ciclo a cada 25 horas, aproximadamente, e se adapta dependendo das condições ambientes de duração da luz. Por isso, era lógico estabelecer tal período como sendo o padrão para a contagem do tempo em toda a galáxia, além de ser mais conveniente para os cálculos.

Eram exatamente esses cálculos que o Comandante Mitz estava fazendo quando se deu conta de que o candidato à vaga de Navegador não tinha dado sinal de vida há mais de cinco dias galáticos. Este era o prazo que havia estabelecido em sua mensagem marcando a entrevista. Será que ela chegara ao seu destinatário? Na mensagem ele pedia para que o candidato confirmasse o seu recebimento. Contudo, não houve resposta. O que, de certa maneira, era positivo. Pois significava que o rapaz poderia não ter visto a mensagem até agora. Seria adequado enviar outra, perguntando se ainda estava interessado na vaga? Mitz não queria parecer desesperado, então decidiu aguardar. Afinal, ainda tinha outras funções a serem preenchidas e, até lá, o Navegador poderia aparecer ou outro poderia ficar em seu lugar. Senão, nesse caso, os negócios teriam prioridade sobre o orgulho.

Segundo seus cálculos, a outra candidata ainda tinha 30 horas de prazo. Mas não foi necessário esperar mais. Distraído com as contas e números em sua mente, Mitz não havia percebido a aproximação de uma mulher até que ela chegasse há alguns metros de onde estava sentado. Subitamente, ele se levantou e acenou com a cabeça.

— Olá! O senhor é o Comandante Rael Mitz, não é? Vim para a entrevista de emprego em sua nave. Espero ter chegado em hora apropriada.

6.11.13

Os primeiros candidatos

Na semana em que o Comandante Mitz começou a pensar na possibilidade de vender sua querida espaçonave e partir para outro ramo de negócios, surgiu dois brilhos esperança em seu email. Eram respostas sérias ao seu anúncio onwave. O primeiro candidato queria a vaga de Navegador Espacial. E o melhor de tudo é que tinha experiência na atividade, a bordo de uma nave de classe Firefly e também no mapeamento do próprio planeta de origem. Pelo menos era o que ele dizia em seu formulário de inscrição, que por sinal estava incompleto, pois faltava o nome. Pelo menos, o sujeito lembrou de colocar seu endereço eletrônico. Bom, não custava nada entrar em contato. Então, o Comandante lhe escreveu em resposta.
Caro Sr.,

Recebi sua inscrição para a vaga de Navegador que anunciei. Posso antecipar que seu currículo é satisfatório para o cargo que deseja. Mas o senhor esqueceu de colocar o seu nome no formulário. Contudo isso não será um impedimento para marcarmos uma entrevista. Portanto, compareça no hangar 23 da estação espacial de Gliese 581 c, nos próximos cinco dias (horário da galáxia), para conversarmos. Caso não compareça ou não remarque, considerarei que estará desistindo da vaga.

Favor confirmar recebimento desta mensagem.

Atenciosamente,
--
Rael Mitz, Comandante da Espaçonave Kashmir
Já o segundo candidato, ou melhor, candidata queria o posto de Médica de bordo. Era um tanto curioso que uma médica titular (de um planeta-capital de um dos principais sistemas estelares, diga-se de passagem) arriscasse sua carreira, ou mesmo a vida, em uma viagem comercial para os planetas menos populosos e mais distantes do centro do Império. Porém, o jovem comandante não deu muita atenção a isso. Afinal, uma pessoa para cuidar dos possíveis doentes e feridos era muito importante. Como também extremamente necessário para os vistos para permissão de viagem sideral. Além disso, em sua inscrição ela dizia ser especialista em estudos de vírus interplanetários. Na cabeça do comandante, isso significava que ela também poderia servir para o posto de cientista. Ou seja, duas funções pelo custo de uma! Imediatamente, ele escreveu uma mensagem para ela, adaptada da mensagem que havia enviado anteriormente.
Cara Virna Sosa,

Recebi sua inscrição para a vaga de Médica que anunciei. Antecipo que seu currículo é satisfatório para o cargo que deseja. Portanto, gostaria de marcar uma entrevista. Por favor, compareça no hangar 23 da estação espacial de Gliese 581 c, nos próximos sete dias (horário da galáxia), para conversarmos. Caso não compareça ou não remarque, considerarei que estará desistindo da vaga.

Favor confirmar recebimento desta mensagem.

Atenciosamente,
--
Rael Mitz, Comandante da Espaçonave Kashmir
Ele estabeleceu curtos períodos de tempo para ambos aparecerem ou remarcarem, pois não queria parecer desesperado. Mas estava. Por isso, não marcou as entrevistas para datas ou horas específicas. Logo, Mitz descobriria se essa aparente rigidez corresponderia aos seus anseios, ou não.

31.10.13

A arte do Sigil

A espera parecia interminável para o Comandante Rael Mitz. Fazia duas semana que tinha posto aquele anúncio, para preencher as vagas de emprego em sua nave. E até o momento ninguém minimamente qualificado tinha aparecido. Quer dizer, ninguém exceto o seu "primo", Sven. Mas ele não contava. Pelo menos, não deveria contar. Pois o Comandante não gostava de misturar família e negócios. Principalmente se era o lado cabeça dura da família.

Para passar o tempo ocioso, Mitz decidiu que iria criar um sigil para sua espaçonave. Ele havia ouvido falar disso quando ainda era bem jovem. Quem sabe essa antiga arte mágica não o ajudaria a encontrar a tripulação que tanto precisava? Os princípios dessa arte eram bem simples. Começou formulando seu desejo, de maneira clara e objetiva, em sua mente. Depois, pegou um pedaço de papel e o escreveu de maneira sucinta: "Tripulação completa para Kashmir". Refletiu sobre o escrito. Será que precisava mesmo de uma tripulação completa? Na verdade, mantendo o bom funcionamento da nave com menor número de pessoas, melhor seria para sua consciência e para seu bolso. Então resolveu simplificar: "Tripulação completa para Kashmir". Refletiu mais um pouco. A tripulação era necessária, contudo o que realmente lhe importava era sua espaçonave. Se fosse fisicamente possível, já teria iniciado viagem desde que a havia comprado e batizado.

Pensando nisso, lembrou que escolhera o nome por causa da música que ouvira a bisavó cantar quando ele era criança: "Ó, deixe o Sol bater no meu rosto / Estrelas preencherem meus sonhos / Sou um viajante de ambos tempo e espaço / Para estar onde eu estive...". "Kashmir", pensou. A canção tinha poder de significado. Resumia tudo que ele queria. Portanto, seu nome serviria perfeitamente para aquele propósito simbólico.

Feita a escolha semântica, ele lembrava que deveria eliminar as letras repetidas. Porém, como naquela palavra nenhuma letra se repetia, Mitz achou que seria interessante retirar as vogais. Era bem possível que ele estivesse inventando esse passo. Mesmo assim, reescreveu com letras maiúsculas: "KSHMR". Feito isso, sabia que deveria mesclar as letras entre si, molda-las até se transformarem em um único símbolo. Assim, H e M se fundiram em uma letra que até então não existia; S virou três segmentos retos, formando um raio; para acompanhar, R também se reduziu a um raio, espelhado ao anterior; e K se aliviou do traço vertical. Dada a simetria entre o novo S e o novo R, o Comandante com ares de artista decidiu acrescentar outra marca ao fim, espelhando o que tinha sobrado da letra K. Agora era só juntar as pontas soltas, dar uns retoques aqui e ali, e o desenho estava quase pronto. Mas ainda faltava alguma coisa. Foi então que resgatou o pingo do i que havia descartado. Assombrado com o resultado, Rael Mitz reconheceu ali algo que se assemelhava a um olho humano. Com certeza aquele símbolo carregava algum poder. Ele deveria acreditar nisso. Afinal, a crença era a ferramenta pela qual aquela antiga arte operava sua magia.

21.10.13

Música de Abertura



Ó, deixe o Sol bater no meu rosto,
Estrelas preencherem meus sonhos
Sou um viajante de ambos tempo e espaço,
Para estar onde eu estive

Para sentar com anciões da raça gentil,
Que este mundo raramente viu
Eles falam sobre os dias pelos quais eles sentam e esperam
Quando tudo será revelado

Conversa e canção de línguas de alegre encanto,
Cujos sons acariciam meu ouvido
Mas nem uma palavra que ouvi eu poderia contar,
A história era absolutamente clara

Oh, eu estive voando,
Mãezinha, não existe negação
Oh, sim, eu estive voando,
Mãezinha, não existe negação, não há negação

Tudo que vejo torna-se castanho
à medida que o Sol queima a Terra
E meus olhos enchem-se com areia,
À medida que examino esta terra devastada
Tentando descobrir, tentando descobrir onde eu estive

Oh, piloto da tempestade que não deixa rastros,
Como pensamentos dentro de um sonho
Preste atenção no caminho que me conduziu àquele lugar,
Córrego do deserto amarelo

Minha Shangri-lá sob a lua de verão,
Eu retornarei novamente
Certo como a poeira que flutua alta em junho,
Enquanto me dirijo à Caxemira

Oh, pai dos quatro ventos, encha minhas velas
Através do mar dos anos
Sem nenhuma provisão exceto um rosto descoberto
Ao longo dos dilemas do medo

Quando eu estiver,
Quando eu estiver no meu caminho, sim
Quando eu ver,
Quando eu ver o caminho eles ficam, sim

Oh, sim, sim, oh, sim, sim
Quando estou abatido
Deixe-me te levar lá!

16.10.13

Prólogo

Espaço-tempo: a fronteira final.
Essas são as viagens da nave mercante Kashmir.
Sua missão: explorar mundos distantes e isolados; encontrar novos produtos e territórios comerciais; audaciosamente ir aonde nenhum mercador estelar jamais esteve!

Antes iniciar qualquer viagem interestelar, primeiro é necessário formar uma boa tripulação para cuidar dos afazeres dentro da nave. Naquela época, era muito difícil encontrar gente qualificada e de confiança. E o comandante Mitz sabia muito bem disso. Não foi a toa, portanto, que ele fez uso de seus antigos contatos, cuidadosamente anotados em seu caderninho preto. Contatos estes que ele sabiamente preferia deixar fora do alcance de qualquer computador. Mas estava tão difícil encontrar gente suficientemente disposta a se arriscar naquele tipo de missão maluca e pela recompensa que oferecia, que ele teve que apelar para a Rede Galática de Computadores Quânticos. Mesmo sabendo que teria de aturar as piadas dos colegas do bar que frequentava, ele chegou até ao ponto de colocar um anúncio onwave:

URGENTE! Precisa-se de tripulação para nave mercante:
  • 1 Piloto experiente;
  • 1 Médico(a) qualificado;
  • 1 Engenheiro(a) (para cuidar de propulsores de dobra espacial);
  • 1 Cientista (preferencialmente Planetólogo);
  • 1 Navegador(a) Espacial;
  • 1 Monitor(a) (para sensores e comunicações);
  • 1 Oficial de Segurança.
Só as estrelas sabem se alguém algum dia responderá a tal anúncio tão específico. Somadas a ansiedade do comandante e a natureza decadente dos negócios, é de se esperar que ele aceite até um Biólogo no lugar do Médico ou mesmo um Astrofísico no lugar do Navegador...