31.10.13

A arte do Sigil

A espera parecia interminável para o Comandante Rael Mitz. Fazia duas semana que tinha posto aquele anúncio, para preencher as vagas de emprego em sua nave. E até o momento ninguém minimamente qualificado tinha aparecido. Quer dizer, ninguém exceto o seu "primo", Sven. Mas ele não contava. Pelo menos, não deveria contar. Pois o Comandante não gostava de misturar família e negócios. Principalmente se era o lado cabeça dura da família.

Para passar o tempo ocioso, Mitz decidiu que iria criar um sigil para sua espaçonave. Ele havia ouvido falar disso quando ainda era bem jovem. Quem sabe essa antiga arte mágica não o ajudaria a encontrar a tripulação que tanto precisava? Os princípios dessa arte eram bem simples. Começou formulando seu desejo, de maneira clara e objetiva, em sua mente. Depois, pegou um pedaço de papel e o escreveu de maneira sucinta: "Tripulação completa para Kashmir". Refletiu sobre o escrito. Será que precisava mesmo de uma tripulação completa? Na verdade, mantendo o bom funcionamento da nave com menor número de pessoas, melhor seria para sua consciência e para seu bolso. Então resolveu simplificar: "Tripulação completa para Kashmir". Refletiu mais um pouco. A tripulação era necessária, contudo o que realmente lhe importava era sua espaçonave. Se fosse fisicamente possível, já teria iniciado viagem desde que a havia comprado e batizado.

Pensando nisso, lembrou que escolhera o nome por causa da música que ouvira a bisavó cantar quando ele era criança: "Ó, deixe o Sol bater no meu rosto / Estrelas preencherem meus sonhos / Sou um viajante de ambos tempo e espaço / Para estar onde eu estive...". "Kashmir", pensou. A canção tinha poder de significado. Resumia tudo que ele queria. Portanto, seu nome serviria perfeitamente para aquele propósito simbólico.

Feita a escolha semântica, ele lembrava que deveria eliminar as letras repetidas. Porém, como naquela palavra nenhuma letra se repetia, Mitz achou que seria interessante retirar as vogais. Era bem possível que ele estivesse inventando esse passo. Mesmo assim, reescreveu com letras maiúsculas: "KSHMR". Feito isso, sabia que deveria mesclar as letras entre si, molda-las até se transformarem em um único símbolo. Assim, H e M se fundiram em uma letra que até então não existia; S virou três segmentos retos, formando um raio; para acompanhar, R também se reduziu a um raio, espelhado ao anterior; e K se aliviou do traço vertical. Dada a simetria entre o novo S e o novo R, o Comandante com ares de artista decidiu acrescentar outra marca ao fim, espelhando o que tinha sobrado da letra K. Agora era só juntar as pontas soltas, dar uns retoques aqui e ali, e o desenho estava quase pronto. Mas ainda faltava alguma coisa. Foi então que resgatou o pingo do i que havia descartado. Assombrado com o resultado, Rael Mitz reconheceu ali algo que se assemelhava a um olho humano. Com certeza aquele símbolo carregava algum poder. Ele deveria acreditar nisso. Afinal, a crença era a ferramenta pela qual aquela antiga arte operava sua magia.

21.10.13

Música de Abertura



Ó, deixe o Sol bater no meu rosto,
Estrelas preencherem meus sonhos
Sou um viajante de ambos tempo e espaço,
Para estar onde eu estive

Para sentar com anciões da raça gentil,
Que este mundo raramente viu
Eles falam sobre os dias pelos quais eles sentam e esperam
Quando tudo será revelado

Conversa e canção de línguas de alegre encanto,
Cujos sons acariciam meu ouvido
Mas nem uma palavra que ouvi eu poderia contar,
A história era absolutamente clara

Oh, eu estive voando,
Mãezinha, não existe negação
Oh, sim, eu estive voando,
Mãezinha, não existe negação, não há negação

Tudo que vejo torna-se castanho
à medida que o Sol queima a Terra
E meus olhos enchem-se com areia,
À medida que examino esta terra devastada
Tentando descobrir, tentando descobrir onde eu estive

Oh, piloto da tempestade que não deixa rastros,
Como pensamentos dentro de um sonho
Preste atenção no caminho que me conduziu àquele lugar,
Córrego do deserto amarelo

Minha Shangri-lá sob a lua de verão,
Eu retornarei novamente
Certo como a poeira que flutua alta em junho,
Enquanto me dirijo à Caxemira

Oh, pai dos quatro ventos, encha minhas velas
Através do mar dos anos
Sem nenhuma provisão exceto um rosto descoberto
Ao longo dos dilemas do medo

Quando eu estiver,
Quando eu estiver no meu caminho, sim
Quando eu ver,
Quando eu ver o caminho eles ficam, sim

Oh, sim, sim, oh, sim, sim
Quando estou abatido
Deixe-me te levar lá!

16.10.13

Prólogo

Espaço-tempo: a fronteira final.
Essas são as viagens da nave mercante Kashmir.
Sua missão: explorar mundos distantes e isolados; encontrar novos produtos e territórios comerciais; audaciosamente ir aonde nenhum mercador estelar jamais esteve!

Antes iniciar qualquer viagem interestelar, primeiro é necessário formar uma boa tripulação para cuidar dos afazeres dentro da nave. Naquela época, era muito difícil encontrar gente qualificada e de confiança. E o comandante Mitz sabia muito bem disso. Não foi a toa, portanto, que ele fez uso de seus antigos contatos, cuidadosamente anotados em seu caderninho preto. Contatos estes que ele sabiamente preferia deixar fora do alcance de qualquer computador. Mas estava tão difícil encontrar gente suficientemente disposta a se arriscar naquele tipo de missão maluca e pela recompensa que oferecia, que ele teve que apelar para a Rede Galática de Computadores Quânticos. Mesmo sabendo que teria de aturar as piadas dos colegas do bar que frequentava, ele chegou até ao ponto de colocar um anúncio onwave:

URGENTE! Precisa-se de tripulação para nave mercante:
  • 1 Piloto experiente;
  • 1 Médico(a) qualificado;
  • 1 Engenheiro(a) (para cuidar de propulsores de dobra espacial);
  • 1 Cientista (preferencialmente Planetólogo);
  • 1 Navegador(a) Espacial;
  • 1 Monitor(a) (para sensores e comunicações);
  • 1 Oficial de Segurança.
Só as estrelas sabem se alguém algum dia responderá a tal anúncio tão específico. Somadas a ansiedade do comandante e a natureza decadente dos negócios, é de se esperar que ele aceite até um Biólogo no lugar do Médico ou mesmo um Astrofísico no lugar do Navegador...